Aspectos do Coaching na Seleção Brasileira de GRD e a Inserção da Psicologia no Esporte

 

André Mota do Livramento

Arielle Rocha de Oliveira Silva

Fabiana Davel Canal

Gleison Pessoa Machado

Valeska Campos Tristão

Kirlla Christine Almeida Dornelas

 



Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

Vitória – Brasil

 

 

Resumo

O coaching é uma prática que a cada dia encontra mais adeptos no Brasil, fazendo-se presente tanto no meio organizacional quanto em práticas esportivas. Caracteriza-se a partir de um relacionamento no qual o coach compromete-se a apoiar o coachee na aquisição de competências e/ou produção de mudanças específicas para alcance de um resultado, processo baseado num relacionamento de confiança profissional. Observamos o rendimento como o princípio norteador no meio esportivo, e, para ajudar em tal procedimento, tem-se a presença do psicólogo do esporte, que atuaria ainda na dimensão dos relacionamentos. Para a presente pesquisa, entrevistamos sete atletas integrantes da Seleção Brasileira de Ginástica Rítmica Desportiva e sua técnica. Vimos que a relação estabelecida entre a técnica e as atletas assemelha-se em alguns pontos ao processo de coaching. Ainda pontuamos a ausência do psicólogo na Seleção Brasileira de GRD e a importância que este profissional poderia ter atuando junto da equipe. 

Palavras-chave: Coaching. Liderança. Ginástica Rítmica. Psicologia

 

Abstract

Coaching is a practice which every day has gotten more and more followers in Brazil, making up its way not only in sports activities but also in the organizational world. It is a relationship distinguished by the fact that the coach is committed to help the coachee in acquiring the skills and/or making specific changes to reach an specific result, this process is based on a professional relationship of trust. We noticed the gains as the guiding principle in sports, and to help in this procedure, there is a sport psychologist, who would also work in the relationship area.  For this research, we interviewed seven athletes from the Brazilian Team of Rhythmic Gymnastics and their coach. We have seen that the relationship established between the coach and the athletes resembles, in some aspects, the coaching process. It is also marked the absence of the psychologist the Brazilian Team of GRD and the importance which this professional could have while working with the team.

Key-words: Coaching. Leadership. Rhythmic Gymnastics. Psychology

 

Resumen

El coaching es una práctica que cada día es más adeptos en Brasil, tanto en las organizaciones y en los deportes. És un proceso basado en una relación de confianza profesional, el entrenador se ha comprometido a apoyar el coach en competencias y/o la producción de cambios específicos para llegar a un resultado. Vemos que el rendimiento como el principio fundamental en el deporte, y para ayudar en este procedimiento, ha sido la presencia del psicólogo del deporte, actuando como coach y también ayundando na cualidad de las relaciones en equipo. Esta encuesta tiene como base esos aspectos y para esto entrevisto siete atletas miembros del equipo nacional brasileña de Gimnasia Ritmica Deportiva y su técnica. Hemos visto que la relación establecida entre la técnica y los atletas se asemeja en algunos puntos en el proceso de coaching. Incluso en la equipo de GRD no hay psicólogo y cremos que es un profesional importante para formación de triunfadores.

Palabras clave: Coaching. Liderazgo. Gimnasia Ritmica. Psicologia


INTRODUÇÃO

O Líder Coach

O mundo tem passado por diversas transformações que fazem com que a criatividade, a capacidade de adaptação às mudanças, o desenvolvimento de habilidades para alcance de resultados, a aquisição de novas competências e a realização pessoal sejam características marcantes em diversas dimensões que perpassam a vida das pessoas. É neste contexto que o coaching passa a ser pensado e valorizado como uma prática compromissada com os resultados e a realização pessoal.

Como sugere Araújo e Consultores (2006), o coaching é caracterizado a partir de um relacionamento na qual uma pessoa (o coach) se compromete a apoiar outra (o cliente ou coachee) na aquisição de competências e/ou produção de mudanças específicas para alcance de um determinado resultado. Há dessa forma, um compromisso com a pessoa, sua realização e desenvolvimento, além do compromisso com o resultado. Cunha (2006, citado por Horst, Fernandes, Perez, Jugend & Soboll, 2007) ainda pontua que o desenvolvimento pessoal e a aquisição de competências são processos contínuos e de responsabilidade de ambas as partes envolvidas, podendo ser realizado tanto individualmente quanto em grupo (Melo, 2007).

Para que o coaching seja realizado é necessário ainda que as relações estabelecidas entre o coach e o cliente sejam de extrema confiança, pois o feedback constante entre os dois é a principal ferramenta no processo do coaching (Melo, 2007), fundamental para a compreensão mútua dos valores e a troca de experiências. Lages (2004, citado por Melo, 2007) diz que não é necessário que haja uma amizade entre coach e cliente, mas que é fundamental um relacionamento verdadeiro, sincero e honesto.

Chiavenato (2002) diz que “o Coach deve saber criticar construtivamente, ser sensitivo quando apontar problemas, proporcionar encorajamento positivo e cuidar da auto-estima do cliente” (p.88).

O processo de coaching pode ser dividido em quatro partes, como aponta Araújo (1999, citado por Horst et al., 2007). A primeira diz respeito à construção de um relacionamento sólido e de confiança mútua entre o coach e o coachee. O planejamento do futuro do cliente, pensando naquilo que ele deseja realizar, corresponde à segunda etapa e nesta o coach deve se atentar para o fato de buscar, junto ao seu cliente, uma realidade dentro do possível. Valorizar o que o cliente tem de melhor, descartando o supérfluo e analisar o plano de ação, ajudando na sua concretização, são pontos destacados na terceira e quarta etapas. A autora ainda explica que o coach não é um chefe e que o coaching envolve uma liderança refinada, com foco maior nas pessoas e nos seus resultados.

Dessa forma, atualmente, o coaching se faz presente também em práticas esportivas, além do meio organizacional (como em empresas e indústrias), afinal, os esportes, principalmente aqueles de alto rendimento, exigem cada vez mais do atleta o desenvolvimento de potencialidades e capacidades (físicas e mentais) que o levem ao sucesso profissional, fato que pode ser visto de maneira similar no meio empresarial.

 

 

 

A Psicologia do Esporte

Apesar de já estar no Brasil há mais ou menos 50 anos, a prática da Psicologia do Esporte ainda não se dá de forma madura no país. Não é uma área de atuação muito divulgada nem mesmo dentro da formação acadêmica.

Na necessidade de se envolver mais nessa prática, era comum buscar no exterior estudos e pesquisas, onde a área era melhor representada. Países como Itália, Espanha, Portugal foram importantes para formar uma nova geração de psicólogos do esporte no Brasil, de maneira que a partir de 1975, segundo Junior (2006), a maioria dos eventos sobre Educação Física, Esporte ou Medicina do Esporte passou a ter a presença da Psicologia do Esporte nas suas sessões.

Em 15 de março de 1979, foi fundada a Sociedade Brasileira da Psicologia do Esporte, da Atividade Física e da Recreação (SOBRAPE), em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, onde também ficou decidida a realização do I Congresso Brasileiro da Psicologia do Esporte. A partir da criação da SOBRAPE, houve uma expansão da Psicologia do Esporte no Brasil, estendendo-se também a vários outros países da América do Sul, através de cursos e congressos.

Atualmente, a representação da Psicologia do Esporte brasileira no âmbito internacional é forte e requerida. Porém, entre os psicólogos brasileiros, ainda não é uma área muito requisitada. Nos poucos cursos de pós-graduação que envolve Psicologia do Esporte, a maior procura é por parte de pessoas da área de Educação Física que dos próprios psicólogos.

Como indica Junior (2006), uma possível explicação pode ser o fato de não haver disciplinas envolvendo Psicologia do Exercício e do Esporte nos cursos de Psicologia, nem mesmo como opcionais. Já nos cursos de Educação Física, todos possuem Psicologia do Esporte como disciplina e é grande o número de monografias apresentadas nesta área. Colocar a entrada desse campo na graduação como proposta é também se deparar com outras questões como, quem ministraria esse tipo de disciplina.

Nesse meio capitalista pós-industrial, o esporte também é marcado pelos princípios de especialização, racionalização, superação, quantificação e busca de recorde, tendo assim o rendimento como o princípio norteador. Procura-se, então, analisar e eliminar as variáveis que podem estar interferindo prejudicialmente o rendimento máximo dos atletas e das equipes, com finalidade de garantir o alcance do objetivo maior nas competições, a vitória.

A prática da Psicologia do Esporte envolve, segundo Rubio (2007), o trabalho cooperado entre técnicos, treinadores e atletas a fim de conseguir melhor desempenho em competições. Pensam também formas de enfrentar o stress competitivo, manejar o controle da concentração, incrementar as habilidades de comunicação e coesão de equipe, o que compõe o chamado esporte de alto rendimento. Rubio (2007), diz que

A necessidade da vitória a qualquer custo, da adequação às mudanças de regras e calendários e os interesses comerciais de clubes e patrocinadores chega ao psicólogo do esporte como um imperativo de sua função no clube ou time, levando-o a uma necessária e constante reflexão sobre seu papel social e profissional. (p. 308)

Assim, Rubio (2007) entende que não se trata apenas de uma psicologia do rendimento, mas abrange a dimensão das relações que envolvem essa prática, podendo ser pensada como uma psicologia social do esporte. Sem negar a importância de utilizar princípios e instrumentos psicológicos em atletas, técnicos e comissão técnica com o objetivo de alcançar níveis ótimos de saúde mental, rendimento e performance.

Segundo Barreto (2008), a prática do psicólogo do esporte vai além de aplicar testes, descrever perfil, resolver conflitos, melhorar a relação inter e intrapessoal na equipe ou detalhar ao técnico quais condições e estratégias são mais eficientes para cada atleta.

O psicólogo do esporte pode ser fundamental ao ajudar um atleta na sua adaptação na nova cidade, situação muito comum quando há mudanças de clubes ou país. Problematizar sobre transtornos alimentares e uso de dopping ou drogas através do efetivo acompanhamento e da parceria criada com técnicos e comissão técnica. Preparar um atleta para enfrentar a própria torcida, a cobrança dos pais e dos técnicos ou atuar na reabilitação psicológica do atleta lesionado. Pode, ainda, auxiliar ao esportista pensar sobre sua aposentadoria, enfocando a organização da carreira e o planejamento do futuro (Barreto, 2008).

A Psicologia do Esporte pode ser pensada também como um instrumento, um meio para o indivíduo descobrir outras potencialidades e habilidades, de forma que, antes de lidar com o rendimento, o esporte pode ser utilizado como uma ferramenta para promover o desenvolvimento humano. Traz-se, então, a dimensão social e cultural de esporte, como também sendo uma forma de atividade que interfere no corpo, na saúde e, por isso, favorece o bem-estar do indivíduo.

A partir do conceito de Fair Play, definido por Portela (1999) como um conjunto de princípios éticos que orientam a prática esportiva dos atletas e dos demais envolvidos com o espetáculo esportivo, pode-se trazer a dimensão educadora do esporte, já que contribui para se pensar e se comportar de forma ética, sendo importante na transmissão de valores. Ao falar do conceito de Fair Play, Rubio (2007) explica que

Pode ser aceito como a idéia de educar o ser humano para a reciprocidade, no respeito à diversidade humana, desenvolvendo o conceito de semelhança, o que permite a identificação com o outro, a percepção da necessidade do oponente e o entendimento de que o vencedor e o vencido se relacionam a um lapso temporal no denominado momento. (p. 313)

Assim, num trabalho integrado, a Psicologia do Esporte pode atuar no equacionamento de diversos problemas, prevenir uma má atuação, como também trazer ferramentas para que o atleta lide da melhor forma possível com situações indesejadas e inesperadas, como derrota, lesões, que de fato fazem parte do esporte, assim como promover desenvolvimento do corpo, da saúde e das relações dos praticantes de exercício e de grupos em programas de exercício ou de esporte.

 

A Ginástica Rítmica Desportiva: um pouco de história e caracterização do esporte

A Ginástica Rítmica Desportiva (GRD) caracteriza-se por uma atividade de movimentos corporais sincronizados ao manejo de aparelhos específicos (arco, bola, maças e fitas) e possui musicalização em seus exercícios, compondo as coreografias (Deutsch & Mori, 2005).

A junção da música aos exercícios tradicionais de ginástica fez com que essa modalidade, em 1961, fosse reconhecida como esporte pela Federação Internacional de Ginástica (FIG). Entretanto, a primeira aparição do termo “rítmica”, que assinalava essa nova modalidade, deu-se em 1946, na Rússia (Confederação Brasileira de Ginástica [CBG]).

O Comitê Olímpico Internacional reconheceu a GRD em 1984 e a introduziu nos jogos olímpicos nesse mesmo ano (CBG). No Brasil, a chegada da Ginástica Rítmica deu-se na década de 50, mas somente em 1978 foi criada a Confederação Brasileira de Ginástica, o que proporcionou maior crescimento desse esporte no país (CBG).

Segundo Viebig, Polpo e Corrêa (2006), o movimento da ginástica rítmica envolve um grau elevado de habilidade e a ginasta deve possuir habilidades como: flexibilidade, energia, força, agilidade, resistência e destreza. Por atuarem também em conjunto, estes autores ainda pontuam que na ginástica de grupo é preciso que os atletas desenvolvam na sua equipe de treino adaptação rápida, sensibilidade e antecipação.

Percebe-se, dessa forma, a necessidade de alto envolvimento das atletas e treinadores com treino e preparo físico a fim de que o ideal da GRD seja alcançado. Além disso, quando se fala em grupos que competem nessa modalidade, fica evidenciado que essa alta dificuldade técnica aliada à necessidade de vencer pode exercer possíveis pressões e alterações emocionais em todos os participantes envolvidos. De acordo com Vieira, Botti e Vieira (2005),

Especificamente para a ginástica rítmica, tanto os aspectos físicos quanto psicológicos parecem ser fundamentais, já que esta se caracteriza como uma modalidade que requer um alto nível de sincronia e sintonia de movimento, exigindo sempre um grande esforço físico e alto controle emocional (p. 208).  

OBJETIVO E JUSTIFICATIVA

Esta pesquisa tem como objetivos:

  1. Verificar a possibilidade de correspondência entre a atuação do líder coach e a prática de liderança exercida pela técnica da seleção brasileira de GRD;
  2. Analisar a percepção acerca das competências, valores e estratégias adotadas no exercício de liderança pela treinadora;
  3. Observar as relações estabelecidas entre a técnica e as atletas da seleção brasileira de GRD;
  4. Averiguar os valores e crenças difundidas na seleção brasileira de GRD entre a técnica e as atletas;
  5. Caracterizar a importância de um psicólogo que atue junto a uma equipe esportiva de alto rendimento.

 

A Psicologia do Esporte é ainda pouco difundida nos cursos de psicologia. Desta forma, entendemos que a discussão dessa temática mostra-se importante por partes dos profissionais e estudantes de psicologia, pois se configura como mais uma possibilidade de atuação do psicólogo.

O estudo ainda mostra-se relevante na medida em que se propõe a relacionar o coaching com a liderança no esporte, pois acreditamos que este tipo de liderança, em nosso país, está se difundindo na prática dos técnicos em diversos esportes. É ainda importante pontuar que este estudo teve como objeto a seleção brasileira de GRD, pois a ginástica, em suas diversas modalidades, tem conseguido espaço e demonstra grande progresso no Brasil.

 

MÉTODO

Entrevistamos sete atletas integrantes da Seleção Brasileira de GRD, com idades entre 18 e 21 anos. As atletas praticam o esporte em média há 12 anos, estando, a maioria delas, há 3 anos na Seleção. Entrevistamos ainda a técnica, que treina a Seleção Brasileira também há 3 anos.

Para tanto, fomos até o local de treinamento, Ginásio Jayme Navarro de Carvalho, na cidade de Vitória, Espírito Santo e antes da entrevista, assistimos ao treino da equipe. Ao final do mesmo, foi entrevistada a técnica e as atletas, estas em grupo.

As entrevistas seguiram um roteiro semi-estruturado divido em duas partes. Na primeira parte haviam questões relacionadas a dados pessoais dos entrevistados e na segunda, perguntas abertas com as seguintes temáticas: trabalho em equipe, liderança, valores, relação técnico-atleta e características de uma equipe de alto rendimento.

As entrevistas foram gravadas e transcritas integralmente e analisadas por meio de análise temática, que segundo Vergara (2005) é “uma técnica para o tratamento de dados que visa identificar o que está sendo dito a respeito de determinado tema” (p. 15).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A seleção brasileira de GRD treina de segunda a sábado, em média cinco horas por dia, sendo que folgam apenas aos domingos. A treinadora da equipe tem a função artística e técnica, sendo responsável pela criação da coreografia apresentada pela seleção, pelo ensino das precisões dos movimentos executados pelas atletas e pelos acertos dos mesmos. Ela ainda se diz responsável pela realização de um diagnóstico da equipe, pois isto possibilita uma melhor intervenção técnica.

Percebemos que a relação estabelecida entre a técnica e as atletas da seleção brasileira de GRD se assemelha em alguns pontos ao processo de coaching. Melo (2007) aponta a confiança como principal ferramenta do coaching e esta é citada pela técnica como fundamental para que seja realizado um bom trabalho quando se está em equipe.

A condição de confiança mútua é uma das estratégias usada pela treinadora. Esta nos relatou que no primeiro encontro entre ela e as atletas foi estabelecido um acordo: o de, profissionalmente, falar-se sempre a verdade entre elas. Ela diz que procura trabalhar a liberdade de falar, de discutir no grupo e de contar sempre a verdade, de enfrentar os problemas e se colocar diante das questões, tanto positivas quanto negativas, de modo que possa ser estabelecida uma relação de confiança entre todas.

Além disso, a técnica afirma que, trabalhar a coragem entre as atletas é também de grande importância pelas dificuldades que elas já enfrentam, como: estar nos treinos todos os dias, morar longe de casa, a concorrência para se tornar titular e viajar o com o grupo.

A auto-estima é também outro valor trabalhado pela treinadora. Esta diz que o fato da GRD ser um esporte de tradição européia pode afetar o rendimento das atletas, pois mesmo com o progresso da GRD no Brasil, ainda há muito a ser conquistado. Dessa forma, a auto-estima é trabalhada, de modo que as atletas reconheçam as suas potencialidades e as percebam como competidoras com as mesmas capacidades das atletas estrangeiras. “Então o primeiro ponto que eu gosto sempre de trabalhar é que a partir do momento que a gente está ali, que a gente conseguiu uma classificação olímpica, nós já somos iguais, então essa questão da auto-estima”.

A técnica ainda frisa que entre as atletas não é necessário que haja uma relação de amizade, dizendo que elas não precisam ser “amigas, unidas, irmãs”, afinal, o encontro entre elas é profissional, sendo necessário, para o grupo ter um bom desempenho, cumplicidade e confiança entre todas. Assim, caminhamos para a mesma idéia de Lages (2004, citado por Melo, 2007), que aponta para a diferença entre esse compromisso e a amizade, de forma que nessa relação do grupo, não é obrigatório envolver a amizade.  Assim, a prática do coaching fica cada vez mais visível na atuação da treinadora.

Valores como respeito, coragem, confiança, realização pessoal, construção de metas e busca por suas concretizações, frisados pela treinadora, além de estarem relacionados ao processo do coaching, falam também do Fair Play e estes se assemelham ao falar de uma dimensão que não se restringe apenas ao esporte, mas a vida do esportista.

Há um compromisso para além da busca por resultados, um compromisso que se estende também para a pessoa e a sua realização, além do âmbito profissional. Como aponta a treinadora, os valores que ela busca passar para as atletas são aprendizados para a vida como um todo. Uma das atletas, indo ao encontro desta questão nos diz que:

Tudo que a gente aprende aqui, que a gente faz aqui, não vai servir só pra ginástica, serve pra vida da gente. Então, ela [a técnica] sempre foi muito preocupada em passar coisas que vão acrescentar na nossa vida, não só o que ela fala a gente vai usar aqui e acabou.

A treinadora ainda tem a visão do líder como uma pessoa que não seja omissa, mas que também não seja um chefe, assim como Araújo (1999, citado por Horst et al., 2007) pontua ao falar do coach, dizendo que este realiza uma liderança refinada, com foco maior nas pessoas e nos seus resultados. Ser uma pessoa ponderada, segura e que não procure tomar decisões precipitadamente, ignorando as demais pessoas envolvidas no processo, são características que devem estar presentes no coaching e estas são também pontuadas pela treinadora.

As atletas apontaram algumas características que são consideradas relevantes para a equipe. Elas destacaram a importância da dedicação como uma característica fundamental para uma equipe se tornar de elite, indo ao encontro da fala da técnica.  Outro ponto destacado foi à união da equipe, visto que se trata de um esporte coletivo, tornando-se necessário o respeito às diferenças do outro. “Saber ser tolerante umas com as outras, com as diferenças, ser compreensiva, porque aqui ninguém é igual, todo mundo é diferente”. Além disso, foi mencionada a importância da treinadora nesse processo como alguém de experiência e em quem se pode confiar.

A seleção brasileira de GRD não conta com a presença de um profissional de psicologia. Acreditamos que a presença de um psicólogo nesta equipe seria interessante, pois este profissional poderia atuar em diversas dimensões.

Como um coach, junto com a técnica da seleção ou mesmo com as atletas, auxiliando-as na aquisição de competências ou no aprimoramento daquelas que já existem, almejando o alcance de metas, ou seja, a busca por resultados.

Questões que emergem em virtude do próprio esporte podem também ser de foco do psicólogo, como a pressão por parte da torcida, dos pais e da técnica pelo sucesso nos resultados; o auxílio ao enfrentamento do stress das ginastas, visto que a GRD é um esporte que exige da atleta concentração, atenção e equilíbrio emocional para uma melhor execução dos movimentos realizados nas apresentações.

Poderia atuar ainda no auxílio ao enfrentamento de situações indesejadas, como em casos de lesão, derrotas (ou resultados inesperados) e também em casos de cortes de atletas da equipe, visto que na seleção brasileira de GRD são realizados cortes de atletas até se chegar ao número mínimo para compor a equipe (o grupo era composto por dezoito atletas e no momento só conta com oito).

Por fim, o psicólogo poderia estar junto das atletas na adaptação a vida nova e em uma cidade distinta das suas originárias, já que as ginastas da seleção brasileira são de estados diferentes e todas moram juntas, dividindo o mesmo apartamento, no estado do Espírito Santo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A liderança coach busca, entre outras coisas, o diálogo entre o líder e o coachee, método este baseado nos princípios de desenvolvimento da confiança profissional, da auto-estima, dentre outros valores, pensando não apenas nos resultados, mas também nas pessoas envolvidas no processo.

Percebemos, a partir dos dados levantados, uma relação entre a prática da técnica da seleção brasileira de GRD e o coaching, pois em alguns momentos a técnica se assemelha a figura do líder coach. A sua atuação é pautada não apenas na busca pelos resultados da equipe, há também um compromisso com as atletas, no auxílio das suas realizações pessoais para além da dimensão profissional.

Valores como confiança, respeito, coragem, realização profissional e pessoal e a busca por uma elevada auto-estima, são descritos nas entrevistas como fundamentais nas relações estabelecidas entre a equipe. Para isto, a honestidade nas relações, possível a partir de um diálogo franco, o respeito às particularidades de cada atleta, além da construção conjunta de perspectivas e metas, são estratégias usadas na seleção brasileira de GRD para o alcance dos valores acima descritos.

As ginastas percebem a técnica como uma figura a ser espelhada, seja pela sua experiência profissional e de vida, pela segurança que ela passa ou ainda pela dimensão educativa do esporte (o Fair Play) que ela proporciona as atletas no cotidiano dos treinamentos.

Quanto à atuação de um psicólogo do esporte na equipe, acreditamos que este profissional poderia proporcionar a seleção de GRD uma melhor compreensão de como a prática esportiva realizada afeta a vida das atletas, pois este poderia atuar a nível individual e também a um nível estrutural, observando as questões que emergirem em virtude do próprio esporte.

Poderia ainda auxiliar no desenvolvimento de práticas que possibilitem as atletas tornarem-se mais competitivas, uma vez que a dimensão sócio-econômica é impactada pelo rendimento e afeta a manutenção do esporte cada vez mais, principalmente em uma equipe de alto rendimento, como a seleção brasileira de GRD.

Dessa forma, o psicólogo apoiaria as atletas nas situações adversas do esporte levando em conta as subjetividades de cada uma, mas entendendo-as a partir de uma dimensão maior, ou seja, dentro do contexto em que o esporte se insere.

O psicólogo do esporte pode contribuir para o adicionar valor à prática desportiva, visto que há uma rede de interesses que engloba a profissionalização do esporte, por exemplo, o anseio das atletas, da comissão técnica, dos patrocinadores e dos torcedores.

Diante deste contexto e da importância de resultados positivos, percebemos que a liderança coach tem se difundido em demais práticas esportivas, de modo que o líder não seja alguém que chefia, mas que constrói estratégias de intervenção em seu grupo que vise os resultados e também os atletas e suas realizações pessoais. Ainda pontuamos a importância da inserção do psicólogo no esporte, pois, como descrito acima, são diversas as contribuições que um psicólogo pode oferecer ao esporte.

Por fim, acreditamos que novos estudos com a temática do coaching no esporte sejam importantes para melhor entendimento desse processo em outras modalidades esportivas, de modo que possamos conhecer melhor a atuação do líder coach, que não seja em meio empresarial ou industrial.

 

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